sábado, julho 14, 2007

Minha Florença

Il tempo non torna piú*, oiço nas colunas do rádio e olho para trás sobre o ombro, vejo a luz do sol entrar pelas frestas dos estores do meu quarto, quero mais luz pois já é tarde, já se ouvem os sinos vespertinos a anunciar o fim de mais um dia na cidade. Abro os estores bruscamente mas os meus olhos encerram-se à luz, e habituam-se, e lentamente começam a ver os telhados, as torres, as cúpulas, a cidade, Florença sob o céu azul. Uma aguda vontade de sair de casa toma conta de mim, esqueço-me do frio e da ressaca dos encontros (ontem aprendera sobre o negroni) e desço as escadas num só trago. Via Maso Finiguerra, durante seis meses com andaimes, o que me permitiu ter sempre sítio onde prender a minha bicicleta bianchi, pasteleira antiga e enferrujada, de um branco já gasto pelos anos, encontrada solta na rua do mercado, adoptada e restaurada, durante seis meses a minha bicicleta. O sol já descia sobre a cidade e como habitualmente tomei a margem do Arno como caminho, para fugir aos turistas mais do que aos pombos, e para sentir na cara o fresco do rio. Pedalava em ritmo de passeio pelas ruas movimentadas e pensava que para os outros eu era italiano, sentia-me parte integrante daquele sítio, sentia-me local, queria beber todas as gotas daquele país e saboreá-las, e sabendo que tinha os dias contados nesse lugar, cada minuto tinha que ser eterno para fazer render os dias. E ieri non eri tu, oggi chi sei?** Oiço nas colunas do meu rádio enquanto a noite se fecha em silêncio e escuridão, tanto silêncio e tanta escuridão que chego a pensar se serei a única pessoa desperta no mundo, nesta noite em que a cidade se silenciou para eu poder voltar. Mas voltar onde? A Florença ou à minha Florença? A um quarto ou ao meu quarto? Se arranjar uma bicicleta onde e a que andaimes a vou prender? E como me sentirei ao pedalar pelas ruas da cidade? Outrora italiano? Cosè, che cambia la vita in noi, e quello que adesso hai, domani no lo vorrai.*** Pensasse tudo isto no cimo da colina que rasga o azul do céu sobre Florença, escrevesse estas palavras sentado no parapeito (pés para fora) da Piazzale Michelangelo e tivesse à minha frente a visão romântica da cidade mais bonita de uma outra vida, chegaria à conclusão que nada havia mudado à minha volta, mas dentro de mim... e ouvir-se-iam os sinos vespertinos a anunciar o fim de mais um dia na cidade.

* - O Tempo não volta mais
** - E ontem não eras tu, hoje quem és?
*** - Que coisa é, que muda a vida em nós, e aquilo que agora tens, amanhã não vais desejar.

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