quinta-feira, maio 21, 2009

Obrigado Exmo. Senhor Cinema

The Searchers

Já tinha anos a mais e uma paixão inconscientemente avassaladora pelo cinema quando fui pela primeira vez à Cinemateca. Fui, obviamente, com a minha namorada de tempos idos, porque como aprendi anos mais tarde através de uma frase de Orson Welles “If there hadn't been women we'd still be squatting in a cave eating raw meat, because we made civilization in order to impress our girlfriends.”. Não que tenha ido para a impressionar, depois desse dia fui muitas vezes sozinho, mas é sabido que a paixão faz o ser evoluir. Reconheci em mim a paixão pelo cinema não dessa primeira vez que fui à Cinemateca, mas da primeira vez que fui sozinho, em que estive eu e o cinema a sós. Vi dois filmes distintos nessas duas sessões, na primeira vi "La Dolce Vita" do Fellini, um filme soberbo sobre a vida boémia de um repórter italiano que se abriga da realidade que regista através da doce vida, seja entendido: mulheres, festas e mulheres; mas que para além disto representa muito mais. Não me querendo prolongar, até porque quero falar sobre o segundo filme, o que me pôs a sós com o cinema, The Searchers, do John Ford. Muita gente diz não gostar de westerns, o que a mim me deixa um pouco intrigado, já que como todos os "géneros", existem uns bons e outros maus. O western na sua raiz é um filme histórico, sobre a génese de um país, um tempo de construção de valores e normas, o próprio conceito de fora-da-lei é algo muito flexível, havendo grandes bandidos da época que hoje podem ser considerados quase-heróis. O racismo é também um tema forte dos westerns, e em muitos é tratado com tanta mestria como nos filmes actuais, no caso deste filme temos o confronto eterno entre os "cowboys" e os índios; e sente-se na interpretação dos actores o ódio mútuo, nas suas falas e feições. A história é digna de uma tragédia, tanto em tema como em estrutura: uma família vive em aparente paz, o herói chega de longe, a tragédia abate-se sobre a família do herói e ameaça acompanhar toda a sua vida, o herói parte em busca do único laço familiar que lhe resta, nem tanto para o reaver, mas para lhe dar paz. É um filme daqueles que toda a gente devia ver, mesmo sem gostar, para aprender, para perceber que esta coisa do ódio e da guerra entre os homens é tão intrínseca ao nosso ser como o amor e a paz, e que ainda hoje andamos à procura do equilíbrio entre estes sentimentos antípodas.
Por tudo isto quero deixar um profundo agradecimento e uma sentida homenagem ao homem que mais soube dinamizar o cinema na minha cidade desde os primórdios de Abril. Entendamos a história do mundo em que vivemos entendendo a história do cinema, que está lá para o trazermos connosco por causa dele, o Senhor Cinema.
R.I.P. Johnny Guitar.


La Dolce Vita


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