sexta-feira, março 13, 2009

hoje também és meu mestre

estou sentado no meu gabinete. a cadeira tem rodinhas. ando para a frente nas rodinhas. ando para trás nas rodinhas. abro um dossier. arquivo coisas. encosto-me para trás na cadeira do convés. em cima da secretária pouso os pés. leio saramago. fecho saramago. bebo um café. fico a olhar para as pinturas do Mané nos pacotes de açucar. vejo a Graça e queria estar lá. vejo umas escadas quaisquer em Alfama e queria subi-las. vejo o cavalo de D. José sempre em pé. não tenho febre e escrevo. o desejo febril de horizonte. não de não estar neste lugar. mas de estar neste e noutros. se tivesse escolha. provavelmente não saberia o que escolher. talvez acordar de manhã muito cedo sem ponta de sono. abrir a cortina e estar um dia lindo. ir ao estábulo buscar leite do dia. ir ao galinheiro e pegar em dois ovos. estrelá-los. não. mexê-los. tanto faz. comer comedidos. e sair de casa mal vestidos. pés descalços. subir o monte e ver o mar. descer o monte e entrar no mar. demorar no mar. sair do mar. nem sequer secar os cabelos. ficarem molhados. salgados. voltar a casa e estender na rede. ler. tocar. cantar. dançar. respirar muito devagar. existir. sentir. não pensar. um de cada vez. quando houver fome pescar. quando houver sede existir uma fonte de água que sabe a pedra. acompanhar o pôr-do-sol com muita produção de amor. e por fim adormecer. não por ter sono. por não haver mais nada que possa tornar o dia melhor. amanhã? o que é o amanhã? Eu também nunca guardei rebanhos, mas também é como se os guardasse.

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